Nem sempre me ponho a escrever, não me faltam motes, falta-me um impulso a mais que não sei o que é... Dessa vez foi a Revista Piauí e seu concurso literário, o desafio era encaixar a frase "Não vou tolerar esse tipo de agressão, ainda mais levando em conta que meu tio é ventríloquo." num contexto que lhe dê pé e cabeça... perdi o concurso, mas pouco importa, o bacana é que escrevi isso aí em baixo
PROSA-JAZZ
Não, de novo não, o que foi agora, esse som absurdo, liberta minha alma ou a prende. Aprenda o ritmo, rapaz! Eu me dedicava ao instrumento, mas o descompasso parecia ser minha natureza, tempo, contratempo, um, dois, um dois, um-ôps. Aprenda o ritmo, rapaz! Vá mais longe, apreenda! Eu continuava meu esforço, de boa-fé, concentrava e sentia a musicalidade, a pulsação, a batida, o "groove" e envolvia-me, entretia-me, a instrução era pra deixar sair, sentir, flutuar, relaxar, curtir. Crack! A batuta quebrou-se na minha cabeça e agora eu estava fora. O suingue, o gingado, o balanço seriam meus companheiros apenas de bebedeira? Estaria eu tão fora do tempo assim, condenado a ser consumidor quando queria ser criador? Não vou tolerar esse tipo de agressão, ainda mais levando em conta que meu tio é ventríloquo. Não sou filho de oxum, mas tenho na família pessoa de sensibilidade, mostra que a sonoridade também é uma ilusão, pode vir e não vir de qualquer lugar, e habilidade tão especial usa-se para dar vida e graça ao que é inanimado, transcendência, meu caro, quero transcendência, não essa indecência que me impõem, uma regra, uma norma totalitária, a ser executada em exatos tons e tempos, como poderia uma matemática tão rigorosa produzir a espiritualidade da música, como poderia um metrônomo, uma máquina simples, guardar tamanha ambigüidade, é leal companheiro para uns, é carcereiro e carrasco para outros. Mas a liberdade nunca me pareceu fútil e fácil, então aguardem, se há que absorver completamente a norma para vencê-la assim será, até que, de baquetas em punho, um dia ainda vou sincopar.
14 abril 2007
Ventriloquia
Marcadores: revista piauí
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Um comentário:
Eu sempre imaginei que pudesse tocar piano sem dever-ser jamais um... pianista! Pobre de mim, simples mortal, posto em cadeias técnicas, condenado a ser músico em potência! Às favas a música perfeita das esferas! À quadratura o ouvido obtuso! Aos bicos a terra firme da técnica!
~
Aborrecia-me, à morte, o Bona compassivo, que me fita agora e sempre de rabo-de-olho, desconfiado de minhas síncopes essenciais. Para que servirá uma arritmia absoluta para os cânones estabelecidos da música funcional? Rumor cósmico, entropia musical, todas as músicas do universo no ruído informe. Arrrghh! Sou super-sônico!
Ah! Salas, sou um músico comum. Qualquer um. O que me dá certo conforto é saber que: qualquer um pode!
Postar um comentário